OS PERIGOS DA POLARIZAÇÃO: PROVOCAÇÕES SOBRE A RENÚNCIA DE EVO MORALES


Por Chryslen Mayra Barbosa y Roger Adan Chambi 
Chamamos a atenção para a necessidade de um exercício analítico crítico para compreender o processo político da Bolívia, porque fora da Bolívia existe uma ideia romantizada do governo de Evo Morales por se tratar de um “governo indígena”. No entanto, os sujeitos das atuais insatisfações são também aqueles responsáveis pela ascensão de Evo Morales e de seus projetos políticos mais exitosos.
Após os resultados prévios das eleições de 2019, intensificou-se na sociedade boliviana as dicotomias coloniais e históricas (brancos X índios, ocidente X oriente, urbano X rural-camponês) criando uma confrontação entre o povo boliviano fomentada tanto pelo oficialismo quanto pela oposição. O governo de Evo Morales construiu um discurso de auto-identificação (e dos próprios aliados) como indígenas e pró-indígenas, enquanto que a oposição seria identificada como a priori racista e branca (q’ara).
No dia 21 de fevereiro de 2016, no referendum de habilitação para as eleições de 2019, Evo Morales não conseguiu modificar a Constituição para o seu quarto mandato. Todo este cenário mostrou um Evo Morales que insiste em se manter no poder, elemento que para as formas de organização políticas dos aymaras e quechuas é no mínimo digno de desconfiança, visto a rotatividade necessária do poder para estas populações que Evo Morales diz representar. A manutenção forçada de Morales põe em perigo o “proceso de cambio” que o próprio MAS sempre defendeu.
Tudo indica que Evo Morales não conseguiu os 51% necessários para ganhar as eleições no primeiro turno.
Evo Morales convocou os movimentos indígenas (mineiros; ponchos rojos; sindicatos campesinos) para defender a sua bancada composta majoritariamente por políticos brancos. Esta conjuntura mostrou, também, o uso instrumental dos atores indígenas e do discurso indígena por parte do governo, uma vez que foram os próprios indígenas os afetados pelas confrontações violentadas nos conflitos de polarização.
Este contexto motivou que cidades como El Alto e universidades como a Universidad Publica de El Alto – UPEA (cidade e universidade importantes politicamente na Bolívia), que no princípio se mantiveram “neutras”, ontem decidissem se somar aos protestos e exigir a renúncia do presidente, evidenciando que não se colocam em favor da postulação do segundo candidato Carlos de Mesa. Isso demonstra que a dicotomia criado por Evo Morales é falsa, porque muitos indígenas se mobilizaram em favor da renúncia do presidente.
Nos últimos dias todo o Movimiento al Socialismo (MAS) perdeu força e a liderança de Evo Morales se debilitou por completo, sobretudo por acontecimentos violentos como o de Vila Vila, Potosí e Oruro. A violência na ala da oposição à Evo Morales também aconteceu, em especial contra a prefeita de Cochabamba Patricia Arce e à irmã do presidente.
Há poucas horas Evo Morales e Alvaro Garcia Linera manifestaram suas denúncias pelos meios de comunicação, aludindo um golpe de Estado e sem mencionar os conflitos que há muitas semanas acontecem em território boliviano. Os meios de comunicação da América Latina tampouco deram ênfase à insatisfação dos últimos tempos e às manifestações e cabildos que a população tem feito. Deste modo, a notícia da renúncia chega aos ouvidos dos companheirxs de outros países como algo que eclodiu do nada, sem contextualizar as lutas do TIPNIS, dos Yungas, de Achacachi e as diversas insatisfações dos últimos meses.
Evo Morales renuncia e deixa uma Bolívia dividida politicamente e racialmente, tão dividida quanto a Bolívia do Outubro Negro, a mesma Bolívia que o elegeu para sanar os problemas coloniais que assolam o país historicamente.
Sabemos que a polarização é um terreno fértil para o fascismo, sabemos mais que nunca isso no Brasil de hoje, e por isto não estamos de acordo com figuras que utilizam a insatisfação política do povo em benefício de pautas que privilegiem os interesses de grandes latifundiários e da grande elite colonial, como é o caso do senhor Camacho, quem com a bíblia na mão fala de democracia e liberdade, ou como a recente ação de policiais que cortam e queimam a whipala (bandeira indígena) em nome da República.
Não é Evo Morales quem sofre um golpe hoje, mas sim toda a população boliviana que mais uma vez é assolada pela dicotomia e pela violência colonial da polarização de classe e raça, polarização fomentada pelas políticas “falhas” do governo de Morales e que hoje tem sido utilizada pela extrema direita ao seu bel-prazer.


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